Ao deitar a cabeça no colo de sua menina, Elis Regina ganhava carícias enquanto falava de seus dilemas. A secretária Celina abria a porta, flagrava a cena e ouvia de Elis uma explicação: “Ela é o meu sábio chinês.” Maria Rita tinha 4 anos quando a mãe se foi. Suas recordações são de cheiros, texturas, flashes de memórias. O encontro mais íntimo veio agora, 30 anos depois da perda. Maria Rita suspirou fundo e resolveu cantar a mãe em shows pelo País. A São Paulo, o espetáculo pago pela empresa de cosméticos Nívea não tem ainda data nem locais definidos. A princípio seria em 22 de abril, na parte externa do Auditório do Ibirapuera. Mas o limite de 15 mil pessoas do local poderia colocar a multidão que tem procurado os shows em risco. Já a mais completa exposição sobre a cantora é inaugurada sábado, no Centro Cultural São Paulo. Antes refratária ao assunto, Maria Rita, agora, fala da mãe.
Agência Estado — Pode-se dizer que só agora você está conhecendo sua mãe?
Maria Rita —Não, isso aconteceu quando eu tinha 14, 15 anos. Na época eu trabalhava como estagiária na redação da Revista Capricho. Chegava ao arquivo para fazer alguma pesquisa e o pessoal me perguntava: “O que vai ser hoje, estagiária?” Eu pedia algum tema e alguém mandava a pesquisa que eu tinha pedido e outra ao lado, com fotos da minha mãe. Sempre vinha alguma coisa. Não sei de quem era a ideia, não sei se era da Monica Figueiredo (chefe de redação na época, antiga amiga de Elis). Mandavam tudo anonimamente.
Agência Estado — Você fez tudo bem escondido, não? Sua própria família não sabia de sua decisão de se tornar cantora profissional.
Maria Rita — Era preciso ser assim.
Agência Estado — Por quê?
Maria Rita — Era uma decisão muito íntima, como um casamento, você não sai consultando as pessoas para saber se vai ou não vai se casar com tal pessoa. E esse amadurecimento era preciso. Morei fora do Brasil, não era ninguém, fui conquistando minhas amizades. Meus amigos me viam cantar quando morávamos todos no prédio da faculdade (ela cursava Comunicação Social e Estudos Latino-Americanos na Universidade de Nova York). Uma vez eu estava estudando e cantarolando alguma coisa quando um rapaz bateu na porta. Ao abrir, perguntou: “Que disco você está ouvindo?” “Não é aqui não”, respondi, já achando que estivesse incomodando. “Não, é aqui sim, eu estou aqui na porta ouvindo há uns cinco minutos, só queria saber que CD você está ouvindo.” Eu falei que não, que era eu mesma que estava cantando. Outra história foi a de um casal que começou a namorar. Eles paravam em frente da porta do meu quarto enquanto eu tomava banho. Me ouviam cantar e ficavam ali dançando no corredor. Aí, no ano seguinte, um amigo meu me inscreveu em um show de calouros do prédio. Mas na hora eu travei, fugi, saí correndo, maquiada, com a roupa do show e tudo. Essa turma saiu me procurando por todos os lugares, os mais atletas subiam as escadas, as meninas davam voltas no quarteirão. Até que me encontraram em uma padaria. Eu estava lá tomando um chá, olhando para o nada. Eles fizeram uma roda à minha volta e começaram a pedir que eu fosse cantar. Eu comecei a tremer e explodi: “Vocês não sabem quão importante isso é para mim!”, gritei. E eles: “É justamente por sabermos a importância disso pra você que queremos que faça”.
Agência Estado — E, ao começar, sentia que as pessoas iam aos shows para ver você ou para ver sua mãe?
Maria Rita —Iam para ver a Elis. Eu via as pessoas chorando. E gente que tinha uma certa rejeição, que não entendia aquela fedelha cantando, gritando daquele jeito, falando puta, bunda, peito (temas das músicas de seu primeiro disco). É aquela coisa do time que já saiu perdendo. Se eu fosse cantora de rock, nego ia falar: “Ah, ela grita igual à mãe”.
Agência Estado — Há um risco de as pessoas verem tanto a Elis Regina em você e não verem a Maria Rita?
Maria Rita — Se assim tivesse sido eu não estaria aqui. Acho que alguma coisa eu mostrei. A própria Nívea fez uma pesquisa mostrando uma alta porcentagem de gente que não sabia que Maria Rita era filha de Elis. Alguma coisa alguém viu em mim.
Agência Estado — Antes o tema era difícil para você. O que a fez decidir cantar as músicas de sua mãe?
Maria Rita — Eu precisava mostrar, apresentar minha mãe para meu filho. Isso também era um desafio.
Agência Estado — Não poderia simplesmente colocar os CDs para ele ouvir?
Maria Rita — Sim, mas aí entra aquela questão do até que ponto eu vou poder ouvi-la sem absorver tudo o que ela fazia?
Agência Estado — É um risco?
Maria Rita — Eu acho que é, mas até o fim dessa história isso vai mudar.
Agência Estado — Você é uma pessoa difícil?
Maria Rita — Dizem que sou, há quem diga também que sou muito mais fácil do que imaginam. Eu não sei. Já fui muito pior. Hoje eu trabalho isso.
Agência Estado — Como?
Maria Rita — Faço terapia, leio, busco a espiritualidade. Há alguns anos eu tive um episódio de entender que estava bem louca de pensar que controlava tudo.
Agência Estado — Que episódio?
Maria Rita —Pânico, Síndrome do Pânico. Travei, o corpo inteiro, e eu achei que fosse morrer, não conseguia respirar.
Agência Estado — Isso teve a ver com música?
Maria Rita — Estresse. Acho muito que tenho de ter controle sobre as coisas, a geladeira cheia, a casa impecável, entrevistas respondidas, eu magra, loura, esbelta... Eu sou um inferno (risos). Quando decidi ser cantora, tive uma revelação no meio da noite. Acordei sem ar. Falei “caraca!” Era uma decisão difícil, terminei com o namorado. Quando percebi, tomei um susto. Sabia que o chicote viria de tudo quanto era lado.
Agência Estado — E você ficou mal?
Maria Rita —Não, eu já estava esperando. O que me abalou foi ouvir: “Mas quem ela pensa que é? Veio tomar o lugar da mãe cantando igual à mãe.” Ah não, aí foi feio. Só que eu não tinha tamanho para falar o que eu realmente queria falar.
Agência Estado — É possível sentir saudades de uma pessoa que você praticamente não conheceu?
Maria Rita — Quando você viveu dentro dela, sim. E a análise me fez entender que muito do que eu sentia na infância teve a ver com esse buraco. É muito confuso para uma criança ir dormir depois de ganhar um beijo de boa noite da mãe e acordar sem aquela mãe do lado. Confuso, confuso, tudo fica confuso.
Agência Estado — Descobriu logo que estava só?
Maria Rita — Sim, e essa sensação de solidão não passa nunca. Não é o pai, o irmão, o marido que preenche. Cássia Eller morreu dias depois de minha chegada ao Brasil. Quando soube, pensei: “Coitado do Chicão (filho de Cássia)”. Fiquei apavorada, pensando “pelo amor de Deus, o que vai acontecer com ele?” Soube que havia uma disputa (para ficar com a guarda). E eu: “Não, para tudo”. Vontade de ligar e dizer: “Deixem o moleque crescer primeiro, deixem ele decidir!” É muito violento, não é natural. A criança não tem maturidade emocional para digerir aquilo, para crescer, isso retarda o amadurecimento, desanda tudo.
Agência Estado — Puxa...
Maria Rita — É, puxa é a palavra. E quando eu leio aquelas declarações da minha mãe emocionada, falando sobre meu nascimento, dizendo que algo dentro dela mudou.... (Pausa). Aí eu fico mais... (Pausa). Eu tive medo de ser mãe por causa disso.
Agência Estado — Que episódio?
Maria Rita — Pânico, Síndrome do Pânico. Travei, o corpo inteiro, e eu achei que fosse morrer, não conseguia respirar.
Agência Estado — Isso teve a ver com música?
Maria Rita — Estresse. Acho muito que tenho de ter controle sobre as coisas, a geladeira cheia, a casa impecável, entrevistas respondidas, eu magra, loura, esbelta... Eu sou um inferno (risos). Quando decidi ser cantora, tive uma revelação no meio da noite. Acordei sem ar. Falei “caraca!” Era uma decisão difícil, terminei com o namorado. Quando percebi, tomei um susto. Sabia que o chicote viria de tudo quanto era lado.
Agência Estado — E você ficou mal?
Maria Rita — Não, eu já estava esperando. O que me abalou foi ouvir: “Mas quem ela pensa que é? Veio tomar o lugar da mãe cantando igual à mãe.” Ah não, aí foi feio. Só que eu não tinha tamanho para falar o que eu realmente queria falar.
Agência Estado — É possível sentir saudades de uma pessoa que você praticamente não conheceu?
Maria Rita — Quando você viveu dentro dela, sim. E a análise me fez entender que muito do que eu sentia na infância teve a ver com esse buraco. É muito confuso para uma criança ir dormir depois de ganhar um beijo de boa noite da mãe e acordar sem aquela mãe do lado. Confuso, confuso, tudo fica confuso.
Agência Estado — Descobriu logo que estava só?
Maria Rita —Sim, e essa sensação de solidão não passa nunca. Não é o pai, o irmão, o marido que preenche. Cássia Eller morreu dias depois de minha chegada ao Brasil. Quando soube, pensei: “Coitado do Chicão (filho de Cássia)”. Fiquei apavorada, pensando “pelo amor de Deus, o que vai acontecer com ele?” Soube que havia uma disputa (para ficar com a guarda). E eu: “Não, para tudo”. Vontade de ligar e dizer: “Deixem o moleque crescer primeiro, deixem ele decidir!” É muito violento, não é natural. A criança não tem maturidade emocional para digerir aquilo, para crescer, isso retarda o amadurecimento, desanda tudo.
Fonte: Bem Paraná

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